Branca de Neve. Capítulo 2- O espelho mágico.

- Eu os declaro marido e mulher. - O padre fez o sinal da cruz e então fechou a Bíblia, observando o Rei e a  mais nova rainha, Endívia, que tinham seu casamento em particular. Branca de Neve estava em pé do lado direito da rainha, encarando-a com um temor sufocado. Segurava um buquê de rosas vermelhas, e vestia um  longo vestido cor de rosa. 
Endívia beijou o Rei e deu um largo sorriso, pegando rudemente o seu buquê das mãos de Branca. 
Ela tinha 7 anos quando isso aconteceu, e, ao encontrar o olhar com o de sua madrasta, pôde ouvir um coração lento e familiar bater ao som de uma cantiga nunca terminada.

- O que você está fazendo aqui?!
- Vim ver meu pai. - Branca levantou os olhos para encarar os de Endívia. A sensação de algo a estar vigiando sempre só podia ser por causa daquela mulher, que nunca envelhecia. Seus olhos vasculharam inutilmente um pouco mais fundo, tentando descobrir se ela era mesmo quem Branca de Neve suspeitava ser.
- Inutilmente. Seu pai está descansando! É melhor sair daqui, vamos. Vá ler alguma coisa no seu quarto, ou seja lá o que você faz por lá. Não me importa. - Endívia fechou a porta do quarto real rapidamente, e empurrou Branca de Neve com desgosto pelos ombros.
- Endívia, por quê você aumentou os impostos? - Uma pergunta rápida. Branca de Neve tinha 13 anos, e sabia de tudo o que acontecia no reino de seu pai. Sabia de cada morte, conhecia cada família. Nunca saíra do Castelo, mas sempre teve seus espiões dignos de confiança e caminhava por ele recolhendo boatos. 
- De quê te interessa? - Com um empurrão foi jogada no chão de seu quarto, e a porta foi fechada com um baque surdo. Ouviu a porta ser trancada e a chave ser entregue a um guarda que teve como dever vigiar Branca de Neve. 
Ela suspirou, levantando do chão e indo diretamente à sua janela. Abriu-a e pôde ver a miséria que seu povo estava passando. Uma criança empurrava uma carroça dolorosamente, tentando ajudar seu avô. Provavelmente o pai desta morreu na Guerra de Todos os Tempos, como foi chamada a duradoura guerra pelo amor de Lilian.
Fechou a janela e tentou imaginar algum bom futuro para aquele reinado. Seu pai estava doente, Endívia agora "governava", e esta parecia nunca sequer dar um indício de morte próxima. Esse pensamento fez com que Branca de Neve buscasse em sua estante o livro de capa vermelha. Quando o achou, pegou a bonequinha que estava ao lado dele, com cabelos penteados e um sorriso irreal. Lembrava-se bem daquele dia, mas ainda sim não conseguia acreditar que suas suspeitas estivessem certas. 
Abriu o livro em uma página marcada com uma rosa branca murcha. 
Em um sonho... Você dará o seu amor para mim? Implore para que o meu coração partido bata. Salve minha vida. Mude minha mente. -  Sentou-se em sua cama e acariciou os cabelos de sua boneca enquanto lia. - Se eu cair e tudo estiver perdido, sem uma luz para mostrar o caminho, lembre-se de que em total solidão é onde meu lugar se encontra. 
Ela olhou para cima.
É claro!
Jogou o livro no chão e correu até a porta.
- EI, DEIXE-ME SAIR! 
O guarda abriu uma pequena janela e observou os olhos de Branca de Neve.
- Perdoe-me, Branca, mas são ordens da rainha.
- Que a rainha se dane, seu bastardo. Deixe-me sair. Voltarei logo, ela nunca saberá que eu fui na cozinha. 
- Se quiser comer, senhorita, é só pedir que eu vou buscar algo para você...
- Não! Eu quero ir sozinha. Só eu sei fazer o que eu gosto. - Ela revirou os olhos e cruzou os braços. - Agora deixe-me sair! 
Hesitante, o guarda abriu a porta do quarto de Branca de Neve. Com passos delicados, mas rápidos, ela passou enigmática por ele, indo em direção a cozinha. No meio do caminho, certificando-se que não estava sendo seguida, desviou por um atalho até os aposentos reais. Ela sabia que Endívia não estava ouvindo o povo. Ela nunca ouvia. Com uma chave que tinha escondida na manga de seu vestido, abriu em silêncio a porta e entrou no quarto, deslizando até a cama. Observou seu pai dormindo, e abriu a gaveta do criado mudo. Seus olhos vasculharam tudo o que tinha lá, desde documentos antigos até chaves. Pegou o molho de chaves e uma carta com cheiro de rosas. O selo era minúsculo, mas tinha o formato de uma gota de sangue. Quem sabe até mesmo fosse. Estava se levantando para sair quando ouviu a porta ranger. 
- Merda. - Sussurrou e enfiou-se debaixo da cama. Seu coração bateu forte, e mais uma vez sentiu-se vigiada, como sempre se sentia ao estar no mesmo cômodo que Endívia. 
A rainha caminhou pelo quarto, o salto fazendo um barulho ensurdecedor, e então puxou um longo lençol.
Um espelho de 2 metros de altura foi exposto. Com moldura de ouro e diamantes, e o vidro completamente brilhante. 
- Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu? 
Um rosto começou a se formar na superfície do espelho. Não era o rosto de Endívia, mas sim o de Branca de Neve. Ou melhor: de Lilian. 
O rosto parecia pulsar que nem o coração que Endívia tinha nas mãos. Os olhos de uma Lilian velha e cansada vagaram pela sala, e outra resposta foi dada:
- Meu tempo se acaba. A magia não é duradoura como você imaginava. Meu coração pára de bater e logo sua juventude levará tudo consigo. Encontre um coração tão poderoso quanto o meu, possua-o e deixe-me ir. Logo de nada mais lhe serei útil. 
- O que você está dizendo?! - Endívia bateu o pé e Branca de Neve notou os olhos da mulher no espelho encarando-a. Ela sentia-se completamente atraída por aquele olhar, como se o conhecesse. Ela não sabia que era sua mãe, também seria difícil reconhecer pelos traços de uma doença incurável que preenchiam cada espaço da pele da Rainha da Neve.
- Estou dizendo, minha rainha, que deverá matar a minha herdeira. Meu coração nela bate e revive, mas o dela ainda é jovem e possui um destino a ser cumprido. Caso a Princesa da Neve note que seu tempo aqui é agora inútil, irá embora e procurará quem realmente lhe dará o que precisa. Tenha-a antes que isso aconteça, e não a subestimes. 
- Subestimá-la? É uma idiota fofoqueira. Eu a tenho em minhas mãos. Seu coração também. - Endívia revirou os olhos e pela primeira vez notou que não tinha tido sua pergunta respondida. - Agora diga-me: existe alguém mais bela do que eu?
O quarto ficou em silêncio. Branca de Neve tentava não fazer barulho, mas achava que sua respiração não colaborava. O espelho continuava encarando Branca de Neve, tendo uma conversa silenciosa com a menina. 
Por fim falou:
- Cabelos escuros como a noite, pele branca como a neve. Lábios vermelhos como o sangue, os olhos recitando uma baixa prece. Saia de seu esconderijo e fuja, minha doce, doce Branca de Neve. 

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