Ela corria tão desajeitadamente que parecia estar correndo na água. Alguma força a puxava para mais perto de Endívia, e ela lutava contra a correnteza. Não podia ser pega, tinha que fugir. Todos os pressentimentos e sonhos agora eram tão compreensíveis e assustadores que sua alma não podia mais prender-se a um quarto absurdo. E tanto tempo em silêncio esperando por um milagre, com o poder nas garras de uma bruxa que podia falar com os objetos.
Sua mente insistia em dizer que nada daquilo existia, mas infelizmente em tudo indicava que aquilo era real. Não mais um sonho, não mais uma melodia que ecoava sem lembrar-se da letra: agora a realidade virava um pesadelo cruel.
Por que aquele espelho tinha a chamado de Princesa da Neve? Por que diabos ele fora logo dizer que ela estava ali? Que coração? Que herdeira?! Não poderia ser quem ela imaginava, coisas daquele tipo não aconteciam. Mulheres não ficavam presas em espelhos! O que Endívia tinha a ver com tudo aquilo? O que ela tinha a ver com a doença de seu pai? Teria ela o envenenado? Por que perguntar ao espelho se ela era a mais bela? Por tanto tempo não se convencera?!
Branca tropeçou ao chegar em seu quarto, mas conseguiu pegar o livro no chão. No alto de uma lareira, oposta à parede com a estante de livros, estava uma espada prateada pendurada. O punho era vermelho, com detalhes em pretos de flores, que tinham seus caules esculpidos na lâmina. Era bonito, mas não tinha-se tempo para admirá-lo. Podia ouvir Endívia chamando guardas para pegarem a "desordeira e traidora".
A espada era pesada, mas com a bainha presa à cintura de Branca ela teria que suportar. Saiu do quarto e viu 10 guardas apontando para ela. "Para quê apontar e me encarar, venham logo!", virou para o lado oposto e se deparou com uma única janela.
- Merda! - Olhou para trás e os guardas já tinham tomado uma decisão de correrem atrás dela. - Merda, merda, merda!! - Ela subiu na beirada da janela e olhou para baixo. Era uma torre alta, e qualquer erro poderia simplesmente matá-la. O mesmo menino passava lentamente puxando a carroça de feno, ajudando seu velho avó.
Se atirou. Com um grito de desespero, implorava para ter calculado bem.
- O QUE É ISSO?! - O menino gritou ao ouvir o baque e sentir o peso de uma pessoa caindo dentro de sua carroça. A cena de uma menina com cabelos longos, negros e ondulados, vestido azul e uma bainha com uma bela espada na cintura, segurando um livro não era normal para ele.
- Desculpem-me. - Ela saltou da carroça e continuou correndo. Tropeçava no vestido e nas sapatilhas, então livrou-se delas. A dor das pedras sob seus pés era imensa, mas dava um ar de liberdade, mesmo imperceptível no meio do pânico.
A sua frente o portão. Os muros do castelo estavam armados com arqueiros, que apontavam para ela, e esperavam pelo comando de ataque.
- PAREM, SEUS MARICAS! A RAINHA PRECISA DELA VIVA, TRAGAM-NA VIVA! - Um guarda gritou para os arqueiros enquanto o portão se fechava.
- Merda, merda...! - Ela mordeu o lábio inferior e desviou para a esquerda. Para onde iria? Como iria? Não sabia, ela precisava se esconder.
Entrou em um beco e pressionou as costas na parede, escondida no escuro. Os guardas passaram correndo e gritando "por ali", enquanto Branca sentia seu coração aos pulos. Esperou todos passarem e adentrou mais no beco, batendo na porta de uma casa escondida pelos muros.
Uma janela se abriu e olhos assustados encararam o que tanto parecia ser um fantasma, de tão branca que era a pele da princesa.
- Quem é você?
- Branca de Neve.
- A princesa?! Não estão perseguindo-a?!
- Sim, mas...
- Chamarei os guardas! Saia daqui, deixe-me em paz, praga!
- O quê?
- Saia daqui, sua demoninha desgraçada! - Ela ia fechar a janela quando Branca sacou sua espada e enfiou-a no espaço que faltava para que esta fosse fechada, quase tocando no rosto de sua "anfitriã".
- Deixe-me entrar. - A visão da espada e a voz fria da princesa desmoralizou completamente a mulher. Ela abriu a porta hesitante, enquanto Branca guardava a espada. - Obrigada.
A casa era mal iluminada, mas Branca poderia andar por ali indo de todos os cômodos rapidamente. Pequena e com um cheiro terrível de queijo mofado, ela avistou um garoto de 15 anos sentado na cadeira enquanto tomava um gole de seu café.
- Enrique. - Ela suspirou aliviada quando o garoto a olha e sorri, apontando para a cadeira em frente a dele.
- Oi, Branca. Sente-se. - A voz dele era encantadora. Para alguém de 15 anos era adulta, mas o tom grave e profundo era tão reconfortante que deixava Branca extasiada com a oportunidade de falar com ele mais uma vez. Seu único amigo. Seu único contato. Era ele quem lhe dava informações e lhe ensinava, secretamente. Era ele o filho do homem que tinha feito sua espada, e ele o menino que tinha instruído Branca a usá-la, como e quando. - Vejo que você está em problemas, mocinha.
Ela deu de ombros.
- Um pouco. Preciso de sua ajuda, Enrique. Para sair daqui. - A mulher que tinha atendido a porta resmungou e entrou em um quarto pequeno, provavelmente para dormir. Branca seguiu os movimentos dela com o canto dos olhos, do modo como Enrique havia ensinado-a a espionar. Ela inclinou-se um pouco mais para perto de Enrique e sussurrou. - Qual o problema dela?
- Minha mãe? - Ele riu roucamente, e deixou o assunto para lá. Ele sabia que com apenas esse comentário Branca entenderia tudo. E entendeu. Entendeu porque tinha sido chamada de praga e demoninha. O pai de Enrique tinha batalhado bravamente na Guerra de Todos os Tempos, mas infelizmente morrera. Branca soube que a mulher dele não tinha se conformado, então todos os anos ia ao túmulo de seu pai e o desenterrava, esperando que o mesmo ressurgisse das cinzas. - Bem, eu sei como sair daqui, mas antes me conte como foi se meter nessa encrenca, bobalhona.
- Não me chame assim! Eu entrei no quarto real para pegar umas coisas... - Ela balançou as chaves no ar e a carta, que tinha guardado em um bolso que costurara nas dobras do vestido. Guardou-os novamente e encarou Enrique. - Mas Endívia entrou no quarto e tive que me esconder... Uma coisa estranha aconteceu, Enrique. Mas não vá rir de mim.
- Prometo.
- Ela falou com um espelho. Ele tinha 2 metros de altura, e a imagem de uma mulher... Parecidíssima comigo! - Ela tocou a mão de Enrique, que a encarava sério. - E o espelho falou, Enrique! Disse que o tempo dele estava acabando e que Endívia deveria matar a "herdeira", a Princesa de Neve... E depois falou umas coisas estranhas, no final dizendo para eu sair do meu esconderijo!
Silêncio.
O crepitar do baixo fogo na casa era o único turbulento som.
- Branca... - Ela o olhou com olhos cheios de expectativa, que logo foram desmanchados pela risada de Enrique. - Você está louca! Espelhos não falam! Perdeu a cabeça?!
- VOCÊ DISSE QUE NÃO IRIA RIR! - Branca levantou da cadeira, fazendo com que ela caísse no chão com um baque surdo. Arrumou sua roupa e estava por sair quando seu braço foi agarrado pela mão de Enrique.
- Pare de ser idiota! Eu irei ajudar você a fugir, mas antes tire isso da sua mente! Já cansei de ver você presa naquele castelo, mas esperava que viesse para cá por sua vontade! Mas além de vontade vem com loucuras e guardas por todo o reino procurando por você! - Ele a puxou para um abraço protetor por parte dele, desconfortável e duro para o gosto de Branca. A voz finalmente recuperou o baixo tom de sempre, calmo, enquanto ele acariciava os braços dela por cima da roupa. - Fique aqui por esta noite. Amanhã, quando o Sol nascer e quando eu sair para levar o feno para o velhote, levarei você comigo e então ajudarei com sua fuga.
- Você vai comigo?
- Não.
- Por quê? - Ela levantou os olhos azuis agora pesarosos.
- Tenho que cuidar de minha mãe e trabalho a fazer. - Enrique afastou os cabelos da cara de Branca e acariciou a bochecha dela. - Tudo bem? - Ela fez que sim com a cabeça em meio a um suspiro, recebeu um beijo caloroso em troca. Não era a primeira vez que se beijavam, mas quando se beijavam era sempre convidativo a mais. Eram raras as vezes, também, então Branca tentava nunca perder as chances que tinha. O beijo foi retribuído e durou um longo tempo, levando-os para o quarto sem más intenções, parando por ali e compreendendo os limites de cada um. Deitaram na cama e passaram a noite acordados, sem um saber que o outro tinha sua mente tão cheia de tramas e problemas.
Branca de Neve. Capítulo 3- O espião.
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Já deixei os sonhos de menina para trás, meus medos e meus desejos. O que quero agora é tornar tudo realidade, mostrar ao mundo o valor que eu escondia. Agora todos me temerão, pois com as palavras eu poderei matar. Agora todos me amarão, pois com as palavras eu ensinei a amar. - M. Catalina
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Dei uma passadinha, para rever os teus textos. Gosto da forma como você escreve. Boa semana!
ResponderExcluirAguardando o próximo. :) Boa semana!
ResponderExcluirAinda na espera. Mas vale a pena! :) Boa semana.
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