Aventuras de uma escritora medieval.

E quando me pego perdida em meus pensamentos e devaneios, pergunto-me o que ainda faço aqui. O que esperava desses traidores que diziam me amar e ficariam comigo por toda minha maldita vida?
Mais dor?
Não!
Isso eles já haviam dado-me suficientemente, o sabor do veneno, quando tinha ido embora e quebrado promeças que tinha eu esquecido que eram somente palavras soltas no ar.
Como eu era ridícula! Estúpida, inacreditável! Sentir saudade de alguém e algo  que me causava tanta cólera! Minha mãe sempre havia avisado-me!
"Não confie em homens, eles só querem se aproveitar de você, lhe dizer juras de amor e depois ir embora, com cada pedaço do seu coração, deixando-a sem alma em troca de somente ausência em seu peito."
Ah, como aquelas palavras me perseguiam! Ser filha de uma poeta farsante em pura Idade Média era extremamente complicado. Dormir todas as noites vendo sua mãe na escrivaninha, ainda com roupas de homem, do mercado aonde se disfarçava para ganhar nosso ganha pão; com a pena tremendo em sua mão, com medo de os soldados invadirem nossa casa em uma de suas revistas e levar-la para a forca. 
Como algo tão ridículo podia ser levado tão a sério... Era proibido que mulheres soubessem ler e escrever nesse país mórbido. Era cosniderado algo deshonrado, e somente os homens podiam ter esse prazer. Mas mesmo assim minha mãe me ensinara a ler e escrever, e, mesmo sabendo que estava errada, me apaixonei pelas letras e a segui em seu ofício. Uma família de mulheres, mãe e filha, escritoras fantasiando-se de homens para ganhar algo para comer. 
Um dia eu acordei e busquei a sombra de minha mãe, ainda sentada na escrivaninha, olhando para o pergaminho amarelado que ela continha, com a pena movendo-se rapidamente, desenhando no papel sua letra delicada, fina e puxada para o lado.
E não fiquei surpresa quando não a encontrei lá. Fiquei desesperada.
Vesti meu vestido e sai correndo de casa, pelas ruas de paralelepípedos que machucavam meus pés descalços que nem tinha dado-me ao trabalho de por alguma proteção. Corri o mais rápido que podia até a praça principal, tropeçando no vestido que usava, os cabelos negros curtos (para facilitar no disfarce de homem)esvoaçando no ar, mesmo eu tendo que os prender, pois já estava grande de mais para usá-los soltos, podendo ser comparada com uma prostituta.
Dirigi meu corpo e minha mente para a praça, já sabendo o que iria encontrar. Minha mãe sendo executada, o pescoço envolvido em uma corda, as pessoas gritando, esperando anciosas pela execução. Bando de corações frios, era o que eles eram. Como amavam a morte pública e dolorosa. 
Como eu tinha certeza disso. Mas eu não tinha conseguido me preparar para a cena a tempo. Não conseguiria conter os sentimentos. Vi o corpo de minha mãe pendurado, balançando com o vento frio. Vi seu rosto sujo de esterco, verduras, vidros. 
E lá vieram elas: as malditas lágrimas. Lágrimas que eu somente derramava por amores ridículos e infantis. Mas lá estavam elas... E com elas e com minha mãe, mais um pedaço de meu coração tinha sido levado...


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